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Histórias que eu contei sobre mim mesma

  • Writer: Clara Goncalves
    Clara Goncalves
  • Mar 11, 2024
  • 4 min read

Updated: Mar 12, 2024

No começo do ano passado, eu comecei um processo que deu origem a este blog, conforme descrevi no post anterior. Antes deste blog eu, timidamente, compartilhava algumas coisas no Medium. Sem nunca ter certeza se era melhor escrever em português (minha língua materna), em inglês (a língua universal) ou em língua nenhuma.


Um dos posts que eu tive a enorme coragem de publicar lá, antes de me esconder aqui no meu mundinho, foi um que tem um valor emocional alto para mim. Como nunca o havia publicado por aqui, o faço agora, com alguns comentários extras:


Desde que eu era uma menina, convenci-me de que sou um certo tipo de pessoa. Na adolescência, adquiri contornos mais complexos, o que tornou a minha personagem um pouco mais profunda. Na vida adulta, levei-a a novos níveis de humanidade. Mas não sei o quanto de mim é verdadeiro e o quanto de mim está ancorado em mentiras que contei a mim mesma sobre como deveria ser.


Aos vinte e três anos, passei pela experiência quase traumática de realmente chegar à vida adulta (e pagar contas) depois de ter uma experiência idílica e extraordinária de estudar um mestrado em outro país. País ao qual me adaptei de forma impressionante. País onde me apaixonei apesar das dificuldades que tenho nesse sentido. Onde fiz amigos para a vida toda. Onde descobri novas possibilidades de carreira. E onde aprendi um novo idioma para falar sobre mim mesma para mim mesma.


Ao voltar para casa e ser confrontada com a vida normal novamente, entrei em uma espiral emocional e pedi ajuda. Uma grande amiga recomendou uma terapeuta para a qual tenho mentido por quase meia década agora. Percebi que só consigo viver semi-plenamente quando não estou no meu país de origem. E tenho estado aqui por muito mais tempo do que em outros lugares, então sinto que tenho aproveitado apenas as bordas da vida, se isso for possível.


A primeira vez que vivi assim foi em um programa de intercâmbio durante o ensino médio. Se no Brasil eu ainda era apenas uma garota jovem sem nenhum conhecimento de vida, na Inglaterra eu floresci. Perdi a virgindade e me apaixonei pela primeira vez. Fiz o meu primeiro teste de gravidez, atuei na minha primeira peça, cantei em público, briguei com um amigo, nos reconciliamos, mas depois me meti em tantas encrencas que quase fui mandada de volta para o Rio.


E tudo isso sem tentar viver qualquer tipo de aventura adolescente. As coisas simplesmente aconteceram e me perguntava "o que diabos está acontecendo? Não estou acostumada a viver assim". Esse padrão se repetiu várias vezes. Quando saio do lugar onde contei mais mentiras sobre mim mesma, mais livre me sinto para fazer o que quiser. Nunca mencionei isso para minha terapeuta. Eu realmente minto para ela.


No início de 2022, decidi que largaria meu primeiro emprego "estável" em anos, me tornaria gerente de projetos e levaria a escrita a sério. Minha missão sempre foi essa — me tornar escritora. Era parte da minha personagem. Quando eu era criança, seria jornalista. Investi muito nesse "traço" que se tornou uma marca da minha personalidade. Eu definitivamente seria jornalista. Mas então, quando cheguei à uma redação de TV, aquilo não era bem o que eu queria para minha vida.


Eu me pergunto se o mesmo acontecerá com a escrita e espero que não — não suporto mais criar mais objetivos e missões para minha vida. Mas, a verdade é que, depois de algumas (muitas) páginas escritas no último ano, parei completamente e decidi que sou realmente ruim nesse negócio de escrever honestamente. Esta semana, entendi por quê. O problema não é minha "falta de talento". O que me paralisa é minha falta de habilidade para enfrentar minhas verdadeiras falhas e meus verdadeiros desejos.


Convenci-me de que queria algumas coisas, não outras. Ou que nem mesmo pensava no que realmente queria! Afinal, eu deveria ser superior a certos desejos mundanos. E assim eu moldei minha vida e personalidade. Agora, em uma idade em que os personagens de Jane Austen estariam se casando com qualquer um para não se tornarem um fardo para suas famílias, vejo que contei tantas mentiras para mim mesma que já não me conheço mais. O que é pior — sei quando estou mentindo, e é quase o tempo todo. Também omito muito. Esta é uma tentativa de (começar a) falar a verdade para mim mesma, sobre mim mesma.


Desde então, foram mais de 365 dias de honestidade brutal. Parei de mentir para a minha terapeuta. Admiti em voz alta meus maiores desejos. E a confusão só aumentou. Olhando para trás, a vida não deu aquela mudada brusca que se espera desses momentos em que a personagem principal do filme tem uma grande epifania, como acredito que tive ao concluir o texto original. A vida é um grande, penoso e delicioso processo. Transformações levam um tempo muito maior que o “corta!” de um diretor de cinema.



Mãos de mulher se preparam para escrever em um diário físico. Na mesa, estão um croissant mordido e uma caneca com café.

 
 
 

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