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A jornada da sem cidade

  • Writer: Clara Goncalves
    Clara Goncalves
  • Nov 24, 2024
  • 5 min read

Updated: Feb 21

Faz meses que não escrevo por aqui por pura necessidade de me dedicar a outro projeto que roubou todas as minhas palavras para si. Mas, hoje, quase dez dias depois de voltar da cidade que eu considerei a minha Meca por tantos anos, resolvi que precisava dar vida à mais uma página por aqui.


Se você me conhece pessoalmente, ou já se dedicou ao purgatório dos meus posts, sabe da minha relação simbiótica com as cidades onde vivi. A primeira de todas e principal casa: o Rio de Janeiro. Depois de toda uma vida aqui, uma sensação de amor e ódio me acompanha desde o dia em que respirei pela primeira vez. Esta cidade faz o meu sangue ferver de ódio. Aqui, ando sempre em alerta. Apesar da minha natureza avoada, nas ruas do Rio eu sinto como se tivesse um radar acoplado à minha testa para me avisar dos próximos perigos. Uma bicicleta elétrica correndo a todas na calçada? Um cachorro sem coleira caminhando ao lado do seu dono playboy e que pode atacar a minha Nina? Uma moto acelerando na contramão enquanto eu atravesso a rua? São tantas possibilidades.

Fico ultra-alerta aqui, o que sempre me deu uma vontade imensa de fugir.


A ironia é que eu sempre volto. Mesmo quando a vida não impunha, eu voltava. É no Rio que eu penso quando me perguntam onde fica o meu lar. Aqui estão meus amigos de infância, minha família, minha livraria preferida, meu posto na praia, meus traumas. Quando tinha 14 anos, decidi que queria passar um tempo fora e passei um ano perturbando os meus pais para que eles não só permitissem isso, como patrocinassem a minha aventura de criança privilegiada carioca.


Fui para Londres passar mais ou menos um ano na casa dos meus padrinhos a quem eu via, quando muito, nas férias de verão. Nunca mais que algumas horas de convívio em 365 dias no ano. Não sei como eles toparam uma aventura dessas. Na verdade, sei sim: meus pais e eles têm o tipo de amizade que só se compara ao amor de irmãos. Antes de desembarcar, passei meses planejando aquele momento. Falando sobre planos e possibilidades com as minhas amigas. Sonhando. Londres era o meu sonho.


Nos meses em que estive lá, virei a maior fã daquela cidade. Passava os dias na escola e os fins de semana zanzando pelas ruas da metrópole que, embora fosse gigante e caótica de um jeito completamente diferente do Rio de Janeiro, não fazia o meu sangue borbulhar de ódio, pelo contrário. Eu andava com o nariz gelado e o coração cheio de felicidade por estar lá. A cada dia que abria os olhos e me via naquele lugar com cheiro de natal, eu sentia uma gratidão jamais experimentada antes.


Voltar para casa foi horrível e lindo, tudo ao mesmo tempo. Voltei para o Rio de Janeiro com 10 quilos a mais e dois tons de pele abaixo do normal, enquanto os meus amigos ostentavam os seus corpos magros e morenos. Desenvolvi meu primeiro distúrbio de imagem em menos de uma semana ao ver o contraste entre nós. Sentia saudade do meu namorado e amigos londrinos, do meu dia a dia e da liberdade de não temer a cidade. Mas também sentia um alívio enorme por estar de volta à casa dos meus pais, por ser querida naquele lugar, por poder chamar as minhas amigas de infância de volta para as grandes coisas da vida, mas também para passeios relâmpago à farmácia da esquina.


Por meses, me vesti como se ainda estivesse em Londres. Por anos quis retornar. Até que voltei, três anos depois, já maior de idade. Misturei a imagem da cidade com a do meu ex-namorado e rever a ambos em uma só tacada foi uma maluquice emocional. Foi quase instantâneo: olhei para ele naquele lugar e senti que aquele ciclo havia se encerrado. Ainda assim, fiquei por mais duas semanas. Por dias, nós brigamos sobre as mais diversas coisas. Não conseguíamos ficar na mesma página. Ele queria fingir que os últimos três anos não tinham acontecido, e eu não gosto de tampar o sol com a peneira.


Em 2014, eu estava estagiando em uma das maiores empresas do Brasil quando uma amiga passou para um intercâmbio universitário na Espanha. Decidimos - eu, ela e outra grande amiga - que a levaríamos para Madri no réveillon (os preços eram mais baixos) para que ela não fosse sozinha. Pisar em Madri pela primeira vez foi como amor à primeira vista. Não sei explicar, mas era como se eu finalmente voltasse para um lugar de onde nunca devesse ter saído, mas era apenas a minha primeira vez viajando para lá. Durante a viagem, cravei para as minhas amigas: "ainda vou morar aqui".


Em 2016, eu embarcava para o meu mestrado na capital espanhola. Antes disso, assim como fiz antes com Londres, passei meses sonhando com aquele lugar, aquele mestrado, as coisas que eu viveria na minha nova cidade favorita. Madri virou o meu novo sonho. Ironicamente, desta vez, a cidade parecia me rejeitar. Fiquei doente durante todo o mês de setembro. O ar era seco demais, o que fazia a minha garganta sangrar e os meus olhos doerem. As viroses eram fortes e eu não tinha proteção nenhuma contra aquelas perebas. Certa madrugada, ainda nas minhas primeiras semanas lá, fui sozinha ao hospital pela primeira vez na vida. Chorei no caminho de volta, pensando que daria tudo para ter os meus pais ali comigo. Tinha vinte e dois anos e me sentia com dois.


Ao longo do tempo, as durezas foram diminuindo e o meu amor por aquele lugar foi crescendo. As ruas de Madri, sempre cheias, eram um convite à vida. A cidade é um verdadeiro pesadelo para almas introspectivas. Há sempre trezentos grupos de amigos enchendo as calçadas, os bares, os restaurantes. Acho que só se encontra silêncio e introspecção em uma biblioteca em Madri. Ou, quem sabe, trancado em casa. À época, eu estava no meu auge de extroversão, sedenta por novas amizades, e Madri me abraçou da maneira que eu queria.Fiquei encantada pelos centros culturais, os parques, as possibilidades.


Sair de Madri e voltar para o Rio foi, também, muito duro. O fiz por falta de perspectivas profissionais. Ironicamente, poucos meses depois, fui contratada por uma empresa remota. Eu poderia ter retornado à Madri, mas escolhi ficar na minha primeira casa por um tempo. Ainda era uma menina e sentia falta dos meus. Mas, durante anos, retornei à Madri sempre que pude. Até a pandemia interromper este ritual.


Em 2024, eu voltei à Espanha para reencontrar grandes amigas e prestigiar uma delas em seu casamento, uma das festas mais bonitas que já vi. Assim que desembarquei, vi uma das minhas almas gêmeas nessa vida, minha amiga Claudia, e senti o mesmo tipo de alívio que sinto ao rever meus amores cariocas. Uma familiaridade que faz com que você se sinta em casa imediatamente. Pensei, "nada mudou". Mas tudo tinha mudado.


As ruas eram as mesmas, as amigas eram as mesmas, mas nos pequenos detalhes - as lojas que tinham fechado, as que tinham aberto, as pessoas que faltavam - Madri não era a mesma, e certamente não era mais minha. Assim como vivi com Londres e com o Rio todas as vezes em que retornei à minha cidade natal, senti que não pertencia mais àquele lugar.


Desde então, tenho estado em silêncio. Não escrevo e tento não falar muito no assunto. Me parece assustadora a ideia de não me sentir pertencente a lugar algum. O Rio ainda é meu, aqui vivem os amores da minha vida, mas não sinto que eu seja dele. Madri e Londres já não me inspiram os amores do passado. Ando por aí com a sensação de não ter um lugar no mundo. Seria isso uma bênção? Ou apenas mais uma fonte de angústia?


Assim como as certezas que eu tinha aos vinte e poucos, os meus lugares se esmaeceram. Não tenho mais certeza de nada. Não tenho mais cidades de estimação.



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