à margem
- Clara Goncalves
- May 8, 2023
- 2 min read
Tenho sido assombrada por uma imagem: estou caminhando em volta de um grupo de pessoas que conversa animadamente. Eles bebem, riem e falam sobre coisas divertidas que não ouço muito bem. Nessa imagem, estou bebericando algo enquanto tento entrar nesse grupo sem que ninguém perceba. Enquanto eles se distraem, eu enfio um braço, tento colocar uma perna pra dentro. Logo uma mão aleatória esbarra em mim, e eu perco o equilíbrio, caindo para fora da roda. Essa dança se repete sem que ninguém perceba que eu estou ali tentando, desesperadamente, pertencer.
Desde sempre tenho a sensação de que não pertenço à nada. Nenhum grupo, religião, clube. Enquanto navego pela vida, faço conexões fortes e importantes para mim, mas quase sempre elas sobrevivem de maneira individual. Eu e a outra pessoa. Quando me vejo em uma situação mais plural, fico perdida. Não sei bem como me sentir. Estou me comportando direito, ou fui inconveniente? Quero ir para casa ficar com o meu cachorro e ver série. Alguém sequer ouviu o que eu acabei de falar? Foi um comentário inteligente.
Esse traço, ou essa sensação, é um antigo conhecido. Mas, ultimamente, tenho elaborado em terapia a ideia de que, por vezes, sinto que vivo a vida comendo pelas beiradas. Não assumo o palco principal da minha própria existência e acho que é por medo de ser feliz. Vi a minha terapeuta sorrir e anotar algo no caderno quando falei sobre isso pela primeira vez e interpretei que ela concordou comigo. Juntando a falta de pertencimento ao medo de protagonizar a minha vida e tomar o controle dela para mim, me veio essa imagem -- de estar à margem dos eventos da vida e, sobretudo, dos meus próprios sentimentos.
E então me senti incomodada de maneira mais forte do que estive antes. Esse descompasso, quando relatado aos outros, é encarado como maluquice minha. Como se houvesse todo um universo dentro da minha cabeça e o que eu vivesse externamente fosse o oposto. Entendo a confusão. Estive, há dias, em uma festa e em nenhum momento precisei forçar a minha entrada em grupo algum. Conversas agradáveis e naturais aconteceram e me senti pertencente a elas. Ri, bebi, conversei. Foi ótimo. Mas fiz tudo isso com a sensação de que, a qualquer momento, ia voltar pra margem.
A margem é onde eu vivo. Posso escapar de vez em quando, mas enquanto não decidir sair de lá, é pra lá que eu volto.





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