Vidas Passadas e os amores não vividos
- Clara Goncalves
- Jan 30, 2024
- 3 min read
Updated: Mar 7, 2024
Em um mundo de paixões ardentes e casos intensos e rápidos, eu sempre me senti particularmente interessada em longos amores platônicos. Na ficção e na minha própria vida, sempre me pareceu sedutora a ideia de um amor em potencial, algo não vivido, mas a ponto de ser. Como se bastasse um passo e se pudesse cair no precipício que é amar e ser amado por alguém. Aquela sensação de estar na beirada, para mim, é poesia pura. Inigualável.
Talvez por isso sempre tenha me atraído pelos livros de Jane Austen. Romances de época. E Vidas Passadas, o filme de estréia da diretora Celine Song que pode acabar lhe rendendo um Oscar. O filme, baseado em uma experiência real vivida por Celine, conta a história de um amor que atravessa décadas, o de Na Young (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), que se conhecem ainda na infância em Seul. Com os seus doze anos de idade, ambos frequentam a mesma escola, competem por notas altas e caminham juntos para casa todos os dias. É um amor de infância, algo capaz de marcar as nossas vidas, por mais inocente que seja.
Em determinado momento, Na Young e Hae Sung se despedem de maneira silenciosa. Ela está de mudança com a família para o Canadá. Depois de andarem lado a lado em direção às suas casas, a dupla se encara sem trocar uma só palavra. É a dor indizível da despedida que se revela ali. Nenhuma palavra é capaz de traduzir o que significa dizer adeus para quem se ama e, aos doze, tudo fica ainda mais indizível.
Doze anos se passam e Na Young, agora chamada Nora, vive em Nova York. É uma jovem dramaturga com uma vida excitante na grande cidade americana. Mantém contato com a família através do Skype, o que me faz crer que esta fase se passa nos anos 2010 -- digo isso pois, nesta mesma época, eu vivia o meu próprio amor não concluído que precisava do Skype para sobreviver. Numa conversa com a mãe, Nora brinca de procurar conhecidos no Facebook. Entre uma descoberta e outra, ela busca por Hae Sung e descobre uma postagem dele numa página do pai de Nora. Ele também buscava por ela.
Na minha fantasia neurótica, já devo ter falado disso aqui uma ou duas vezes, a ideia de que alguém que amei no passado ainda busque por mim, de alguma forma, é a coisa mais romântica que posso imaginar (tudo culpa de Jane Austen!). Nora entra em contato com Hae Sung. Os dois se conectam via Facebook e, depois, conversam através do Skype. Aquele reencontro virtual é cheio de antecipação e saudade. É como se uma vida tivesse sido vivida e, ao mesmo tempo, nenhum dia tivesse passado sem que os dois estivessem próximos. Para não entrar em muitos outros detalhes, basta dizer que há mais um pulo temporal e outros 12 anos se passam até a última fase retratada no filme.
Assim como nas minhas idealizações românticas, Vidas Passadas é um filme sobre um amor duradouro, apesar dos obstáculos. E essa história de amor é cheia de potencial e ternura, e o tempo todo somos confrontados com a possibilidade de uma grande paixão que pode nunca acontecer. A troca de olhares. O silêncio. As mãos que se tocam no metrô. Em um diálogo do filme, Nora explica um conceito tipicamente coreano, o "In-Yun", algo que poderia ser traduzido como providência, ou destino.
“Se dois estranhos de cruzam na rua, e as suas roupas acidentalmente se tocam, isso significa que houve 8000 camadas de In-Yun entre eles.”
Fiquei muito movida por esta frase e por Vidas Passadas. Pela possibilidade de um grande amor. Pelas vidas vividas e as não vividas. No final das contas, nunca conseguimos nos livrar totalmente do “e se…?”





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