(transformadoras) leituras de abril
- Clara Goncalves
- May 2, 2024
- 4 min read
Updated: Jun 11, 2024
Maio começou há poucas horas e talvez eu leve esse mês inteiro pela frente para processar abril. Foi um mês denso, intenso, e faz todo sentido que tenha sido uma maluquice astrológica com mercúrio retrógrado e afins. Comecei abril com 30 anos, finalmente, me recuperando de uma COVID seguida do meu inferno astral e uma deprê-pós-aniversário.
Depois disso, fui atropelada por uma sequência de viroses, amigdalites e problemas de digestão. Fisicamente, tudo estava intenso e mentalmente, também. Algumas leituras tiveram um impacto imenso na minha própria vida em abril. Graças a elas, voltei ao balé depois de mais de duas décadas e me reconectei com o meu corpo como há muito não fazia e comecei a escrever ficção, outra coisa que não fazia há anos. O plano é engatar com uma ideia de livro, mas ainda não passei da terceira página em cada rascunho (tenho uns três, um mais convincente que os demais) e me dedicar mais a esta escrita até o fim de 2024.
Quem sabe até o fim do ano eu não tenha um livro escrito? Agora, indo direto ao assunto, essas foram as leituras de abril de 2024, em ordem de impacto psicológico e emocional:
1 - O perigo de estar lúcida, de Rosa Montero
Rosa, você que tem o nome da minha mãe, se um dia a senhora ler isso, saiba que sou eternamente grata por este livro. Ele mudou a minha vida, como um livro não faz comigo desde Harry Potter em 2002. Acredito que não exagero quando digo que nunca me identifiquei tanto com um livro. De ponta a ponta, de capítulo em capítulo, foi como ter um espelho mais inteligente do que eu apontando para mim tudo aquilo que eu já deveria ter percebido sobre mim mesma. Veja, Rosa fez um profundo estudo sobre as "tempestades perfeitas" que deram vida aos grandes nomes da literatura e explora a loucura que cada um tinha dentro de si (profundamente necessária para a atividade criativa!)
Através de um estudo minucioso, Montero nos conta aspectos muitas vezes ignorados sobre a vida de grandes escritores e traça características em comum entre os cérebros dos criativos. Rosa também abre a porta para a própria loucura e conta causos interessantes e perturbadores da própria caminhada neste planeta, desde a juventude, passando pelos processos envolvidos no desenvolvimentos dos livros, entre alguns outros sustos. Lendo o texto de Montero, sabendo mais sobre muitos dos meus ídolos e descobrindo novos, senti uma identificação tamanha que precisei levar para a minha própria terapia. Desenterrei velhos traumas e lembrei de coisas que ainda preciso elaborar, há muito enterradas. Foi como fazer terapia através do olhar do outro, e que terapia!
Rosa Montero, se um dia a senhora ler isso, saiba que graças a você estou começando a escrever o meu sonho de infância: um livro para chamar de meu. Como você, quero me curar um pouco através da literatura. Mas não muito. Não se deve curar demais, como você sabe bem.

2 - Animal, de Lisa Taddeo
Somente um palavrão é capaz de encapsular como me senti ao terminar este livro: ca-ra-lho!
Animal é tudo aquilo que prometia ser e Lisa realmente deve colocar droga nas suas páginas, porque é impossível largar este livro. Centrado na vida de Joan, uma mulher de 30 e tantos anos de Nova York, o livro é um relato nu e cru da dor de uma mulher que tenta sobreviver em um mundo dominado por abusadores. Depois de testemunhar mais um ato absurdo de violência, ela parte para a Los Angeles atrás do amor de uma irmã até então desconhecida a fim de contar para ela como a vida as uniu e as separou.
Joan nos leva para a sua aventura feroz e aos poucos descobrimos os horrores vividos pela protagonista desde a sua infância, o porquê de ela agir como age e como, de presa, ela se transformou em predador.
Dez de dez, apesar do choque e das facadas no coração. Terminei esse livro há algumas horas e ainda posso sentir o aroma dos cânions e ouvir o som dos coiotes. Lisa Taddeo, que texto e que fúria!

3 - Caderno Proibido, de Alba de Céspedes
Que delícia de livro e que revolução é poder ler o caderno secreto de alguém! Neste caso, da personagem principal desta história: Valeria Cossati. Uma mulher italiana de meia idade que vive em Roma nos anos 1950 e que compra, em segredo, um caderno preto que transforma em um perigoso diário, capaz de sacudi-la da vida comum e sem perspectiva que vivia até então. Através da escrita, Valeria passa a elaborar os seus sentimentos como jamais havia feito antes e, graças ao caderno, experimenta sentimentos e situações ilícitas para uma boa mulher italiana da época.
Entre o papel de mãe, de dona de casa e funcionária de escritório, havia anos que Valeria sequer ouvia o próprio nome, quanto mais seus próprios desejos. Alba de Céspedes foi uma das grandes autoras de língua italiana do século XX e inspirou outras autoras de renome, como Elena Ferrante. Leitura deliciosa e reveladora -- devemos todas falar, escrever, nos ouvir!

4 - Só Garotos, de Patti Smith
Meu companheiro de viroses! Foi através de Patti que vivi entre uma doença e outra na primeira metade do mês, e quantas vidas ela viveu!
Com um texto honesto, fluido e sem pompa, Patti revive os anos da juventude que a levaram a ser o grande nome que é, especialmente os anos vividos ao lado do seu primeiro amor, o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Pode-se dizer que ambos se salvaram quando estavam em apuros em Nova York na virada dos anos 60 para os 70, uma época efervescente para a arte, mas também muito sombria com as guerras e doenças que assombravam a juventude da época.
Entre as muitas aventuras de Patti, estava a própria ida à Nova York com poucos dólares no bolso, apesar de vir de uma família amorosa. Ela estava atrás de uma aventura, podia sentir que algo grande a esperava. Para sobreviver, Patti morou nas ruas, dividiu comida com um desconhecido, trabalhou e dormiu em livrarias e encontrou em Robert uma nova versão de família. Que privilégio poder ler este relato em primeira mão de uma escritora tão talentosa, com uma vida tão fascinante! Perto dela, somos todos uns porres!





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