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Trabalho duro

  • Writer: Clara Goncalves
    Clara Goncalves
  • Sep 10, 2023
  • 3 min read

Updated: Sep 23

Existe algo particularmente difícil sobre escrever, além do simples fato de que você acaba descobrindo muito sobre si no processo. Conhecer melhor a mim mesma tem sido um enorme desafio, para ser honesta. Na maior parte das vezes em que duvido de mim enquanto escrevo, percebo que tenho certo orgulho do meu caráter e de como encaro a vida. Mas, meu Deus, como eu tenho raiva do que me tornei ao mesmo tempo. Me frustro diante das minhas próprias manias e limitações. Noto que a maior parte delas é imaginária. Fico furiosa quando, ao analisar tudo aquilo que sou e o que não gosto sobre mim mesma, me vejo totalmente incapacitada de mudar. A inércia é poderosa.


Mas escrever impõe dificuldades para além do que eu aprendo sobre mim mesma. Criar histórias, digitar ensaios, estar atenta para o mundo ao meu redor são atividades desafiadoras para alguém viciado no próprio casulo.


Escrever requer horas de trabalho duro. De rascunhos horríveis. De sonhos não realizados. Escrever é pesquisar, imaginar, editar. Escrever é, sobretudo, acreditar que o ato de inventar histórias ou revelar o que se viveu é o que pode salvar a sua vida. E publicar pode, ou não, ser um objetivo. Eu sempre tive o sonho de publicar um belo livro. E que ele virasse best seller! Mas esses sonhos foram enterrados pelo meu eu jovem adulto há anos. E agora, já burra velha, volto a sentir o mesmo formigamento nas mãos e uma inquietude no estômago. Sequer sei sobre o que escrever na maior parte dos dias, mas sentir esse frio na barriga por algo que ainda nem existe já faz tudo valer à pena. Afinal, escrever é terrível, é necessário haver um incentivo.


Recentemente, li Cleopatra e Frankenstein, de Coco Mellors, e Pachinko, de Min Jin Lee. Belíssimos livros, cada um ao seu estilo. Belíssima escrita, enredos impressionantes, personagens bem desenvolvidos. Ah! Que coisa boa deve ser colocar algo assim no mundo. Por sorte, viraram best sellers e chegaram até mim por conta de um marketing pesado, mas mesmo que isso não tivesse acontecido, que incrível que apenas existam no mundo. Mesmo se fosse para um público pequeno, restrito a poucos países. Já valeria o esforço por serem arte. Por impactarem alguém. Impactaram profundamente a mim.


Escrever é refúgio, especialmente quando enfrento dificuldade em entender certos aspectos da vida. As palavras me oferecem resoluções, caminhos, diagnósticos e linhas de tratamento. Mas sem trabalho duro, nada ganha vida. É preciso sentar, dia após dia, e colocar-se a escrever o que quer que seja. Parei de fazer isso e agora me custa retomar o hábito de escrever por escrever, não para publicar, mostrar para alguém ou para desabafar sobre algo. Escrever pela atividade, assim como fazemos ao praticar um esporte de maneira amadora, sem objetivos a não ser fazer alguma atividade física. Me falta disciplina comigo mesma. Até com a academia. Há alguns meses, tinha conseguido uma regularidade boa, fazia musculação de 3 a 4 vezes na semana. Os músculos ganhavam forma e, para manter-los, seria necessário seguir com essa regularidade, o que não fiz. O mesmo se aplica à escrita. E aqui estou eu, como resultado dessa minha retomada.


Tenho tentado ver mais do mundo para além da tela do meu celular, e mando áudios para mim mesma sobre coisas curiosas que observo, na esperança de escrever sobre elas depois. Na maior parte das vezes esqueço dos áudios, mas a intenção por trás deles já me inspira. Outro dia, mandei um áudio para mim em que posso ouvir o meu sorriso nas palavras. Eu contava, para mim, sobre como tinha me divertido numa loja de maquiagem naquele dia. Estava feliz porque, com a ajuda de uma vendedora, encontrei uma base perfeita para a minha pele e, na hora de pagar por ela, ouvi uma conversa engraçada entre pai e filha. A menina magrela com cabelos loiros e encaracolados pedia ao pai, um homem de uns 40 anos, para comprar algo para ela e ele respondia, um pouco desesperado "não, eu não vou comprar um creme antirrugas para você! você só tem 10 anos!"


Aquilo me fez rir, e na hora imaginei toda uma história para aquela família de classe média carioca. Poderia sentar-me em casa, diante do computador, e escrever uma crônica, ou um ensaio da perspectiva dessa menina sobre a primeira ida dela à uma loja de maquiagem. Lembro, como se fosse hoje, da minha primeira vez. Tinha 14 anos e a minha avó havia me presenteado com 200 reais no meu aniversário. Em 2008, 200 reais era dinheiro à beça e eu comprei de tudo! À época, eu era uma menina com duas avós vivas que me mimavam.


Escrever é abrir essas gavetas cheias de memórias. É projetar e inventar. É florear histórias sem graça para que se tornem épicas. Estava com saudade desse trabalho todo.


ree

Para todos verem: foto mostra duas mãos digitando em um laptop.


 
 
 

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