Páginas vergonhosas
- Clara Goncalves
- Feb 27, 2023
- 2 min read
Updated: Mar 9, 2023
Há treze anos, quando eu tinha quinze, eu mantinha um diário escrito no meu laptop. Naquelas páginas, você encontraria tudo sobre mim. As angústias, histórias engraçadas, rotinas entediantes e, acima de tudo, os devaneios e as esperanças de uma menina de quinze anos. Verde, sem experiência alguma, descobrindo o mundo.
Consigo me lembrar de alguns trechos mais marcantes. Aquele era um diário e tanto.
Em determinado dia, já aos 16, eu acordei, abri meu laptop, li algumas páginas do meu diário e ponderei, ponderei, ponderei. Dei control + a e apertei 'deletar'. Assim, perdi algumas das páginas mais marcantes da minha vida em segundo. Não satisfeita em cometer essa atrocidade, esvaziei a lata de lixo e respirei aliviada "ufa, agora posso esquecer tudo que eu escrevi e ninguém nunca vai encontrar essa vergonha".
Não foi a primeira vez que eu fiz algo do tipo.
Poucos anos antes, aos 13, uma amiga minha que tinha ido morar no Brasil apenas com 12 anos me disse que tinha dificuldade em ler livros em português porque não conseguia prestar atenção suficiente naquele idioma. Eu propus "e se eu escrevesse um livro feito especialmente para você?". Ela se animou, e eu escrevi.
A cada dia, depois das aulas e dos deveres, eu me sentava em frente ao meu laptop e escrevia páginas e páginas de uma ficção juvenil centrada na vida de uma adolescente com o mesmo nome da minha amiga meio-brasileira, meio-estrangeira. Toda semana, durante meses, eu imprimia chumaços de páginas de papel do meu "livro" e entregava para ela. Não demorou muito e a minha amiga estava lendo animadamente em português pela primeira vez.
Meses depois, já com 14 anos, eu acordei um dia, abri meu laptop, li algumas páginas do meu livro impublicado e ponderei, ponderei, ponderei. Dei control + a e apertei 'deletar'. Assim, perdi algumas das páginas mais marcantes da minha vida em segundos. Não satisfeita, esvaziei a lata de lixo e respirei aliviada "ufa, agora posso esquecer tudo que eu escrevi aqui e ninguém nunca vai encontrar essa vergonha".
Hoje, aos 28, sinto o chamado para escrever e compartilhar os meus textos todos os dias. Vejo posts lindamente escritos no LinkedIn e tenho vontade de escrever também. Leio artigos nos jornais e penso que deveria mandar alguns. Desisti do jornalismo (!) mas não passo um dia sem ver todos os sites de notícia que posso ver. Encontrei um trabalho que me permite escrever diariamente, sem precisar me expor como "escritora".
Que medo é esse? E por que os sinais não param de aparecer?
Decidi quebrar esse ciclo. A partir de hoje, me assumo como alguém que escreve, às vezes bem e muitas vezes mal. E, acima de tudo, me assumo como alguém confortável em escrever mal e deixar as pessoas lerem essa vergonha. Com quase 30 anos, vou quebrar esse padrão de auto-silenciamento. A vida é muito curta para não escrever.

Para todos verem: fotografia mostra a mão de uma mulher segurando uma caneta azul e desenhando em papéis. Em frente aos papéis estão um caderno e uma xícara branca.




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