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Pobres criaturas e poças de xixi

  • Writer: Clara Goncalves
    Clara Goncalves
  • Feb 4, 2024
  • 3 min read

Updated: Feb 6, 2024

Em meio ao pré-carnaval do Rio da Janeiro, acordei num sábado querendo viver todo o oposto do que a cidade exalava: queria comidinha quente, ler um bom livro, ver um bom filme. E, nessa pegada, decidi ver Pobres Criaturas, do diretor grego Yorgos Lanthimos, estrelado por Emma Stone.


Para ser bem sincera, nunca fui uma grande admiradora de Lanthimos. Vi poucas coisas suas porque sempre saía perturbada da sala de cinema. Embora saiba que a arte deve provocar este tipo de sentimento, às vezes a gente só quer dar uma risada. Em resumo: eu sabia da genialidade dele, mas ela muitas vezes não era exatamente o que eu estava buscando. Ao ver o Lagosta, fiquei infeliz por horas. A Favorita não tinha exatamente o ritmo que eu gostaria de ver, mas as atuações brilhantes de Stone, Olivia Colman e Rachel Weisz, assim como as suas tiradas cômicas, me divertiram um pouco mais.


Então por que diabos eu resolvi ver Pobres Criaturas? Curiosidade. Tendo lido sobre o filme e visto alguns trechos nas redes sociais, aquele filme me pareceu muito diferente de tudo que eu já havia visto. E lá fui eu. Me arrumei, tive o cuidado de separar um casaco para não passar frio no cinema e deixei Nina Simone, minha cachorrinha, entretida com bonecos recheados de ração líquida e quitutes caninos.


Ao ver o Uber na porta do prédio, dei uma corridinha burra que fez com que o meu casaco caísse no chão. O que seria totalmente inofensivo se ele não tivesse caído exatamente em cima de uma poça de xixi. Malditos mijões de carnaval! E foi por terra a meia horinha que eu tinha me dado para chegar tranquilamente em Botafogo.


Alterei o ponto de chegada e me vi em um shopping lotado, correndo entre pessoas lentas, subindo vários e vários lances de escada rolante até chegar ao último andar, onde fica uma loja de roupa conhecida que não mencionarei porque o seu dono não vale nada. Comprei um casaco de moletom, não sem antes esperar numa fila lenta graças aos atendentes que ofereciam a cada cliente um tipo de fidelização. Deu 16h e eu ainda estava pagando o meu casaco. O filme já estava começando. Desci mais rapidamente do que subi, cheguei ao cinema, fui ao banheiro passar água e sabão no casaco mijado. 16:05. Decidi comprar uma coca cola, estava morrendo de sede. Outra fila escrota. Só entrei na sala de cinema às 16:14.


E lá estava ela, na tela grande. Não Emma Stone, mas Bella Baxter. A personagem mais encantadora e absurda que eu já vi no cinema.


Inspirado no livro de Alasdair Gray, o filme de Lanthimos conta a história de um experimento: Bella (Emma Stone) é uma jovem grávida que havia tentado se matar. O cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe) encontra o seu corpo e tenta ressuscitá-la através de um experimento em que ele coloca nela o cérebro do seu bebê. Assim, com o cérebro de um neném e o corpo saudável de uma mulher feita, Bella aprende a viver em isolamento ao lado de Godwin, a quem ela chama de God (Deus). Até que, em um momento em que ela já não se contenta com as paredes da mansão de Baxter, Bella conhece o advogado Duncan Weddesburn, com quem parte em uma aventura por diferentes países.


A fotografia e o figurino do filme são impecáveis. O uso de lentes arredondadas e enquadramentos pouco comuns, além das cores vibrantes, faz com que entendamos o mundo através dos olhos de Bela: um mundo que era preto e branco passa a ser colorido quando ela começa a sua aventura. Ao embarcar com Bella para a sua primeira aventura, em Lisboa, vemos uma alternativa onírica da cidade. Experimentamos, com ela, o pastel de nata, os prazeres do sexo, do álcool, da dança. Tudo para Bella é novo. Inclusive as boas maneiras que se esperam de damas da alta sociedade. Os diálogos são sensacionais, marcados por uma comédia absurda que me tirou gargalhadas inconvenientes em alguns momentos, e a cena da dança de Bella e Duncan, tenho certeza, já entrou para a história do Cinema.


O filme de Lanthimos tem muitas, muitas cenas marcantes e explícitas. Fechei os olhos algumas vezes para poupar o meu querido cérebro. E, em alguns momentos, as coisas podem parecer um pouco repetitivas. Sobretudo nas cenas que giram em torno da descoberta sexual de Bella. Dava pra cortar alguma gordura ali, mas tudo bem, entendo a escolha. Ao final da sua aventura, Bella já não é a mesma criatura do começo. Tendo passado por experiências, conquistado amores e homens que não conseguiam amá-la sem tentar aprisioná-la, vemos uma versão madura de Baxter. Uma mulher experiente, independente e ainda mais encantadora.


Saí da sala de cinema um pouco em choque. E corri para casa para lavar o meu casaco mijado.


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