Impulso
- Clara Goncalves
- Apr 2, 2023
- 3 min read
Updated: May 1, 2023
Em 2021, no auge da pandemia, eu me vi morando sozinha em um apartamento no Rio de Janeiro. Isolada, sem muitas esperanças e sem pisar na rua para nada além de descer as escadas para buscar as minhas compras de mercado. Eu vivia para trabalhar e tentar esquecer o que estava acontecendo no mundo. Um belo dia, deitada no sofá da sala com uma almofada na minha barriga, eu pensei "e se essa almofada fosse um cachorro????". Ter cachorro era um sonho de infância. Minha mãe não deixava. Quando eu insisti com mais afinco, parece que ela chorou e eu desisti. Não lembrava disso, quem me contou foi o meu pai. Só posso imaginar o nível de cansaço da minha mãe que trabalhava no mínimo 10h por dia, fora os plantões.
Na virada dos 26 para os 27, tive um dos meus surtos pandêmicos. Esses episódios consistiam em 1) tomar atitudes impulsivas 2) comprar roupas que só usaria anos depois 3) pedir quilos de comida para uma única pessoa 4) chorar copiosamente. Nesse dia específico, resolvi inovar. Entrei no perfil do Petlovers Rio, uma página famosa de adoção de pets na cidade, e fui olhar cada postagem. Era um cachorro mais fofo que o outro e eu queria levar todos para o meu pequeno lar. Até então, nunca havia vivido com nenhum bicho de estimação que demandasse a atenção que um cachorro demanda. Meus únicos pets foram dois jabutis, duas galinhas e um galo, e peixes beta. Sabe Deus quantos peixes beta. Olhei aquele perfil todo até que vi uma cachorrinha preta de peito branco e orelhas de Baby Yoda. Foi amor à primeira vista. Três dias depois, ela já estava na minha casa. Chegou assustada, mas logo, logo foi tomando gosto pelo apartamento todo decorado e limpinho até que… fez cocô no tapete do escritório. Ali começou a nossa história.
Nina Simone é o nome do meu serzinho favorito. Ela me fez voltar às ruas para passeios diários, me tirou do sedentarismo e me deu vários motivos para sorrir em um momento difícil. As primeiras semanas de adaptação de um filhote são um verdadeiro horror, mas quando humano e cão começam a se entender… é coisa de filme da Disney mesmo. Ela foi a minha mestra no processo de reaprender o sentido de cuidar, de sorrir, de me abrir para o novo e para os outros depois de meses de isolamento. Trabalhar com ela ao meu lado faz o dia ficar leve e os passeios são sempre experiências tresloucadas que rendem ótimas histórias. No começo, teve invasão à hortifruti, invasão à casa do vizinho, fuga para visitar os meus pais… Hoje ela está mais tranquila e educada, mas segue bem espoleta.
Nina chegou pequena, agora está musculosa e forte. Minha mãe, aquela que não queria saber de cachorros, está completamente apaixonada por ela. Quando fica chateada, pede por uma visita da Nina porque precisa que "alguém lamba a cara" dela. Talvez só não esteja mais apaixonada que o meu pai. Quem quer que apareça aqui em casa (desde que seja mulher, Nina desconfia um pouco de homens) ela corre pro colo. Esquece quem eu sou em segundos, ama conquistar as visitas. Já vi gente entrar aqui sem ser muito fã de cachorro e sair amando Nina Simone. As pessoas na rua sorriem para ela e, de vez em quando, lembram que eu estou do lado e sorriem para mim também.
O mundo de Nina é um mundo solar. E assim seguimos. No mundinho solar do meu impulso pandêmico.

Na foto, Nina Simone -- um vira-lata preto com peito branco de porte mediano -- parece sorrir em um passeio à Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio.
PS: Se você tiver dúvida sobre adotar um cachorro, pense se está disponível para cuidar de um ser vivo por muitos anos, amá-lo e protegê-lo. Se sim, vai fundo! É bom demais.




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