Filmes que alteraram a química do meu cérebro
- Clara Goncalves
- Mar 12, 2023
- 6 min read
Updated: Sep 11, 2023
Como uma boa pisciana romântica, sinto que vivo em busca de filmes que me façam querer mudar a minha vida inteira, subir em uma moto e sair vagando pelas estradas da América Latina. Aqueles filmes que te dão um comichão, seja por identificação ou pela surpresa da trama, tão diferente daquilo que você já experimentou na vida. Para mim, essa relação com os filmes começou cedo, lá pelo primeiro ano de vida, quando os meus dias eram preenchidos por Rei Leão e Branca de Neve. Esses foram os primeiros filmes de que tenho memória. Para além dos filmes inaugurais, tenho uma pequena lista a compartilhar com outras pessoas de vinte e muitos anos. Quando a vida parece gritar para mim que eu sou doida e nada do que eu estou fazendo faz sentido, filmes como Frances Ha, por exemplo, me lembram que esse fenômeno vai além de mim. Somos muitos por aí tentando encontrar sentido nas nossas escolhas. Isso me traz paz, e paz deve ser compartilhada. Vamos à listinha:

Para todos verem: imagem mostra um cinema de rua com uma iluminação vermelha. Na foto, aparecem um rapaz sentado de costas, uma senhora olhando os totems de compra de ingresso no cinema e outra mulher subindo as escadas em direção às salas.
1 - Thelma e Louise
Estrelado por Geena Davis (Thelma) e Susan Sarandon (Louise), este filme está em primeiro lugar não por acidente. O assisti em meio à pandemia de Covid-19, numa fase em que apenas visitava os meus pais e o futuro ainda era muito incerto. Tinha 26 anos e estava infeliz com o rumo que as coisas estavam tomando, com pânico do que ainda poderia acontecer e com uma raiva profunda do então presidente. Entra em cena a minha mãe, talvez a pessoa viva com a qual mais me identifico na Terra, e sugere que vejamos Thelma e Louise. Eu topei e em 129 minutos, senti a minha perspectiva sobre a vida ser modificada. Thelma e Louise é um filme de estrada sobre duas amigas em saem para uma viagem de fim de semana em uma cabana e acabam vivendo uma sucessão de eventos incríveis com consequências inimagináveis. Thelma é uma dona de casa, casada com um marido abusivo. Louise trabalha como garçonete em um restaurante e namora um músico que vive em turnê. A viagem era uma oportunidade para ambas saírem por um momento da monotonia da vida cotidiana, mas acabou se tornando um processo transformativo, um pouco criminoso, de duas mulheres que assumem o controle das suas vidas de forma radical. Ao final desse filme eu estava no chão reavaliando tudo sobre a minha vida.
2 - Bagdad Café
Este é uma obra de arte. Cenário, atuações, trilha sonora e texto perfeitos. Se estiver precisando de uma inspiração, veja Bagdad Café. O filme alemão-americano é centrado, também, em duas mulheres que recentemente terminaram os seus casamentos: a turista alemã Jasmin — abandonada pelo marido no meio do deserto — e a dona do Bagdad Café, Brenda — que se separa do marido depois de uma briga. Com o tempo, uma amizade nasce entre as duas e a vida de ambas e de quem as cerca é transformada a partir dessa relação. Com esse filme, a sensação que tive foi completamente diferente do que senti com Thelma e Louise. Se, com o primeiro, eu tive vontade de sair em uma aventura pelo país, com Bagdad Café a minha necessidade foi mais introspectiva. Acredito que isso aconteça, em grande parte, porque o ritmo de Bagdad Café é mais contemplativo. Sentei com este filme por dias enquanto pensava sobre o poder das amizades entre mulheres e sobre o quanto precisamos umas das outras para sobrevivermos a um mundo que muitas vezes só nos dá porrada.
3 - Medianeras
A primeira vez que vi o argentino Medianeras, eu tinha por volta de 17 anos e fiquei muito impressionada com a maneira com a qual a solidão era retratada. Com 17 anos, não havia solidão — a vida nessa idade era preenchida por horas na escola, horas nos cursos extra-curriculares, horas com amigos que praticamente acampavam na minha casa e eu nas deles. Eu só ficava sozinha para dormir ou ir ao banheiro. Ver personagens com a idade que eu tenho hoje, com quase 30 ou 30 e poucos, vivendo de maneira solitária e depressiva me impactou. Pensei “preciso me preparar para isso!”. E é doido pensar que, como Martin, passo horas num computador trabalhando de casa em uma cidade grande como Buenos Aires. Talvez no Rio de Janeiro o isolamento seja um pouco menos perceptível dada a natureza da cidade mas, ainda assim, hoje entendo Medianeras como jamais fui capaz.
No filme, Martin e a sua vizinha Mariana vivem no mesmo quarteirão, mas se conhecem pela internet. Apesar de viverem muito perto um do outro, seus caminhos se cruzam mas eles não chegam a se conhecer na “vida real”. Medianeras fala muito sobre a proximidade que a vida tecnológica pode criar, e também como a cidade moderna acaba nos isolando uns dos outros. O filme traça um paralelo interessante entre a arquitetura de Buenos Aires com a modernidade e as necessidades das pessoas. Se me pareceu um filme triste há 11 anos, como se fosse uma premonição ruim, hoje acredito que Medianeras seja um belo retrato da vida moderna e das relações humanas. É um filme realista, mas com o toque de esperança necessário para seguirmos em frente.
4 - Antes do amanhecer
O meu lado romântico grita quando falo dessa trilogia, então vou tentar ser breve. Este filme eu assisti com uns 25 anos, talvez, e por semanas carreguei uma paixão pelo Ethan Hawke como se de fato o tivesse conhecido, e não ao seu personagem num filme lançado quando eu tinha 1 ano de idade. Poderoso.
Antes do amanhecer é um filme com muito diálogo, ótimo para cabecinhas ultra-pensantes-e-ansiosas. Ele mostra o encontro entre o jovem americano Jesse (Ethan Hawke) e a estudante francesa Celine (Julie Delpy) em um trem que sai de Budapeste. Em meio a conversa com Celine, Jesse precisa desembarcar em Viena, mas não quer se despedir da jovem francesa. Ele a convence a passar uma noite com ele visitando a cidade e, juntos, eles vivem uma noite inesquecível. Na manhã seguinte, Jesse precisa voltar aos Estados Unidos, então a noite é vivida de maneira intensa e os diálogos são muito mais complexos e densos do que geralmente são as conversas num primeiro encontro. Ao amanhecer, eles entendem que nunca mais se verão e decidem não trocar telefones ou endereços. Na época, redes sociais ainda nem pensavam em transformar as nossas vidas. Eles combinam, então, de voltar àquela estação de trem em Viena em seis meses para um reencontro.
5 - Bonequinha de Luxo
Acho que poucas pessoas entendem a profundidade de Bonequinha de Luxo, baseado na novela de Truman Capote publicada em 1958. Podem acreditar que é uma comédia água com açúcar com um final feliz, mas ela tem camadas que despertaram algo no meu cérebro bem novinha. A primeira vez que vi Bonequinha de Luxo, eu tinha uns 12 anos e vi em Holly Golightly uma série de bloqueios que eu já identificava em mim muito antes de quebrar a cara romanticamente ou até mesmo de fazer a terapia necessária para reconhecê-los.
Para quem não conhece o filme de 1961, Bonequinha de Luxo conta a história de Holly Golightly (Audrey Hepburn), uma garota de programa em Nova York decidida a casar-se com um milionário. Apesar das ambições materialistas, a personagem de Hepburn se perde em meio a uma inocência do interior que a coloca em perigo constante e ela encontra na joalheria Tiffany’s um local ideal para fugir dos seus problemas. Até que ela conhece o escritor Paul Varjak (George Peppard), seu novo vizinho. Eles se tornam amigos inseparáveis e ele, inevitavelmente, se apaixona e declara o seu amor por ela, que resiste.
Revi o filme novamente em junho do ano passado, enquanto acompanhava o meu irmão em uma internação no hospital. Ele corria risco de vida naquele momento, e a personagem de Holly é muito ligada a um irmão que não chega a aparecer no filme, mas é mencionado várias vezes por ela. Encontrei em Bonequinha de Luxo um conforto que não havia percebido aos 12, 13 anos. Entendi suas ações e seus medos como também não poderia entender naquela época. Aos 28, me identifiquei com ela ainda mais. Adulta, mas ainda marcada por um medo semi-infantil de que a vida não seguiria à risca os planos traçados em sua cabeça. Responsável pela própria vida, mas desejando profundamente ser cuidada por alguém. Holly, naquele momento, personificou os meus medos e sonhos.




Comments