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Derretendo gelo

  • Writer: Clara Goncalves
    Clara Goncalves
  • Mar 12, 2024
  • 3 min read

Updated: Apr 16, 2024

Estou com COVID. É a segunda vez que eu pego esse vírus. A primeira foi em julho de 2022, em um momento em que escrevi um texto que ainda não publiquei por aqui e que acredito que é um retrato fiel dos meus sentimentos na fase inicial do portal dos 28. O compartilho aqui, na íntegra:


Eu sou uma pessoa que ainda não tocou o fundo da piscina da minha alma. Ainda há vida e alguns anos de terapia até eu chegar lá. Sinto como se estivesse em cima de um cubo de gelo que é muito difícil de quebrar. Já consegui derreter um pouco o topo, e à medida que escavo mais fundo, me conheço um pouco mais. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.


Há cerca de seis anos, fiz amizade com um cara peruano com quem nunca falo agora, mas tenho absoluta certeza de que se nos virmos novamente, a conversa será ótima. Ele é psicólogo, alguns anos mais velho do que eu, e chegou à experiência de um mestrado fora de seu país com um nível de maturidade que talvez eu esteja começando a alcançar agora. Um dia, entre muitas taças de vinho, ele me perguntou "por que diabos você só me conta coisas engraçadas e divertidas?". Confusão. O que ele quer dizer? Ele quer que eu diga coisas horríveis, tristes para as pessoas agora? Para minha surpresa, ele acrescentou: "as pessoas não são apenas divertidas e as coisas não são apenas engraçadas, Clara, onde está o resto de você?”


Caramba, quero dizer, honestamente? Eu não sei onde estava o resto de mim! Provavelmente sob mil camadas de gelo ainda não perfurado, ou no fundo da piscina onde ainda não conseguia ficar de pé. Essa ideia que ele me apresentou naquele dia ainda está comigo, mas agora eu sei o que significa: eu não me sentia confortável em me mostrar, em ser vulnerável, em ser 100% eu. Ainda estava presa à uma personagem que eu tinha criado para mim mesma. Minha personagem era bela, engraçada pelo menos 85% do tempo, nos outros 15% eu tinha que fingir um certo mistério. Eu ainda não era bem sucedida porque tinha 22 anos e nunca fui um gênio de Harvard ou algo assim, mas seria — todo mundo sabia disso. Minha personagem falava 3 idiomas, mas estudaria para falar 6. Ela viajaria para 50 países antes de ter 30 anos e era ótima na cama.


Meu Deus. Como era cansativo esse papel que nem sabia que tinha desenhado.

Naquela noite, depois que meu amigo me apresentou a ideia de que eu só permitia que as pessoas vissem uma fração do que eu era (e maquiada!), passei horas tentando convencê-lo de que era uma pessoa profundamente traumatizada e que ele não tinha ideia de como era difícil falar sobre meus traumas. Ele riu um pouco. Bebemos mais, começamos a falar sobre outras coisas sem importância. Anos depois, aqui estou eu sentada na frente de um computador escrevendo besteiras que não consigo falar com ninguém agora em um bar porque estou isolada após 2 anos e meio escapando da COVID.


Sento aqui na frente deste computador, ao lado do meu cachorro, e penso que estou em um intervalo entre empregos e me sinto tão feia e cansada. Se há algo que eu não sou, pelo menos não hoje, é bela, engraçada e misteriosa. Além disso, estou longe de poder dizer que sou bem-sucedida (afinal, o que é isso????).


Acredito que se esse amigo ainda estivesse na minha vida, nossas conversas seriam diferentes hoje em dia. Não muito, afinal, eu ainda sou a mesma tola ansiosa. Mas talvez eu o permitisse ver um pouco mais além das partes engraçadas e divertidas.


É muito interessante ver o início do que eu considero quem eu seja atualmente. Em 2022 estava apenas começando a entender quem eu seria hoje se fosse honesta comigo mesma. Acredito que avancei muito no processo de derreter gelo. Ainda falta muito, mas não me engano mais.



geleiras

 
 
 

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