A interminável busca (ou a roda de hamster)
- Clara Goncalves
- May 12, 2024
- 3 min read
Updated: Sep 23
Esse texto tem um quê de desabafo. Ou muitos quês, porque tem uma sensação em particular sobre ter trinta anos e ser uma mulher relativamente determinada e relativamente independente que tem me tirado o sono, especialmente nos últimos dias. Sinto que estou presa numa rotina de busca em todos os campos da vida, e ela simplesmente não-tem-fim. Eu achava que isso fazia parte dos vinte anos, e que a essa altura eu estaria mais tranquila, mais em paz, mais firme. Mas não, pura ilusão. É busca por oportunidades de crescimento de “carreira", busca de equilíbrio entre as minhas tendências racionais e as necessidades físicas, busca por um estilo de vida mais sustentável, busca por amor e boas relações de amizade...
O que, antes, parecia corriqueiro, quase natural, se tornou uma roda de hamster sem fim. Um dia tudo vai bem no trabalho, mas você sente que falta algo na sua vida e quer um relacionamento sério, e aí corre para o bê-a-bá da pessoa solteira que trabalha remotamente e odeia a vida noturna da cidade: aplicativos, conversas frívolas, dates chatos. Por dias, você realmente tenta se conectar com aquele treco no seu celular, mas tudo nessa experiência é simplesmente deprimente. Aí você se volta para a sua rotina e o que fazer para melhorá-la. A ideia é preencher o vazio por conta própria e participar de clubes de livro, tentar escrever mais, sair mais com as amigas, entrar numa aula de ballet, malhar três vezes por semana, ver os filmes em cartaz. E assim você vai preenchendo cada hora dos seus dias, até que o seu próprio corpo decide que é a hora de desacelerar e você pega uma virose escrota durante uma dessas atividades.
Então você se volta para o profissional e se dedica como nunca. Seus dias passam a ser ultra produtivos e você treina o seu olhar para detectar cada mínimo erro até a neurose total. Tudo vai bem e o “sucesso” te deixa entorpecida ao ponto de você deixar de lado, por um minuto que seja, todas as outras buscas. Até que uma mesquinharia acontece no trabalho e você percebe que nada daquilo é realmente importante. Talvez seja um desentendimento estúpido com um colega, ou um chefe controlador que tire a sua vontade de se dedicar. Ao fim e ao cabo, o trabalho volta a ser só um trabalho. Ou, pior, se torna uma fonte de infelicidade na sua vida.
E aí vem a outra busca — a por um novo emprego em um mercado seco como um deserto do Saara. E enquanto você busca por oportunidades que ao menos paguem o seu aluguel superfaturado na zona sul, você está com o celular lotado de aplicativos que te distraem (inclusive aquele depressivo app de namoro), mil abas do LinkedIn abertas e a televisão ligada mostrando que há tragédias muito piores que a sua acontecendo de leste a oeste, sem contar com as notícias falsas e a constante sensação de que a democracia está com os dias contados no seu país.
E então você se volta para as redes. Tenta avisar as pessoas que o que elas estão compartilhando é falso, e tenta puxar papo amigavelmente com estranhos que podem estar com as melhores das intenções. Poucos minutos depois, você se vê afogada em notificações de pessoas te xingando e presa a cinco diferentes tretas com pessoas que você nunca viu e que talvez sejam robôs. Por algumas horas, o ódio e a tristeza te entorpecem e você se dedica a cobrar de certas autoridades que elas combatam essas notícias falsas e que talvez, quem sabe, parem de tentar destruir ativamente o meio ambiente sob a falsa ideia de que para desenvolver, é preciso destruir. Ou que, para informar, é preciso mentir. Sem contar que, para debater, é preciso xingar.
E aí fica cansativo. Tudo é cansativo: é exaustivo estar viva, ter uma certa idade e um pingo de consciência. Pouca paciência. E, ainda assim, dá-lhe roda de hamster. Simplesmente não dá para descer.





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