Leituras de início de ano
- Clara Goncalves
- Jan 15, 2024
- 3 min read
Em 2023, passei muitas das minhas horas livres vendo séries e filmes, o que gosto muito de fazer e vejo como algo positivo. A parte ruim é que via essas séries e filmes com o celular na mão. Fui hipnotizada pelas redes, deixei os livros de lado, deixei a atenção plena de lado. Fui super-estimulada e sub-estimulada, tudo ao mesmo tempo. Em 2024, decidi que quero ter mais atenção e ler mais. O livro que me acompanhou na virada de 2023 para 2024 foi Dias de Abandono, de Elena Ferrante. Sou grande admiradora dos livros de Elena Ferrante e achei que seria a escolha mais acertada para recuperar um ritmo de leitura mais intenso.
Desde que li a tetralogia napolitana em 2020, mergulho no universo de Ferrante sempre que possível. Livros como A Filha Perdida, A vida mentirosa dos adultos, Entre a margem e o ditado. Agora foi a vez de Dias de Abandono, lançado em 2002.
O livro é um relato em primeira pessoa do turbilhão emocional pelo qual passa Olga, uma mulher italiana que vive em Turim com a família, depois do fim do seu casamento de 15 anos com Mario. Pela primeira vez nas minhas leituras de Ferrante, vi escancarada a linguagem napolitana que ela tanto critica em seus outros livros. A linguagem crua, a raiva de quem sofre e precisa exprimir em palavras toda uma dor verdadeiramente indescritível.
Dias de abandono é um relato da rejeição, do abandono, do não entendimento sobre como uma relação que parecia ir bem poderia ruir tão rapidamente. A raiva de Olga. A confusão. A recuperação de si.
O livro não retrata um conto bonitinho sobre o auto-amor de uma mulher à beira dos quarenta anos. Não. Ferrante não se intimida. Mostra sentimentos feios, profundos, condenáveis. Do tipo que todos temos, e fingimos não ter. Ao ser deixada pelo marido, ela ouve uma mentira. Lembro de tantas histórias de mulheres que me cercam. O cara diz que o amor acabou, que não é bom o suficiente para ela, que ela merece ser feliz sem ele. Para, momentos depois, aparecer com outra, preferencialmente mais nova. Bem mais nova.

Se eu pensava que o livro de Ferrante era um soco no estômago, não há palavras para descrever o que Olhos d’Água, de Conceição Evaristo, representou para mim. Foi o primeiro de Conceição que eu li, depois de uma enxurrada de recomendações. Quase tive medo de ler e me decepcionar, tamanha era a fama positiva de Conceição no meu grupo de amigos. Decidi, então, começar 2024 com ela.
Ideia acertada. Em Olhos d’água, Evaristo apresenta uma série de contos que mostram a realidade brasileira a partir do cotidiano muitas vezes reduzido às matérias sangrentas de jornais locais: o cotidiano da população afro-brasileira nas cidades do país. Alguns desses contos cortaram o meu peito de maneira que eu não esperava. Me lembraram os dias de estagiária no jornalismo da Rede Globo quando, em meio à uma apuração, descobria que o pior tinha acontecido. Ficava chocada então, apesar de ser exposta diariamente aos horrores da vida urbana neste país. Com Evaristo, fiquei igualmente em choque mas pela beleza de suas palavras, os detalhes de cada cena, a dureza, a ficção realista. O livro é lindo, apesar de escancarar tanta dor. A condição humana está ali, para qualquer um ler. Que privilégio.

Depois de muito chorar com Olhos d’água, resolvi que precisava de algo mais leve. Foi assim que cruzei com o Livro Adultos, de Emma Jane Unsworth, autora britânica que eu não conhecia até então. Em resumo, o livro é um relato em primeira pessoa de uma mulher de 35 anos que vive em Londres, é colunista de revista e namora um fotógrafo sexy. Tudo parece ok à primeira vista. Mas Jenny é uma mulher profundamente confusa, infeliz, viciada em redes sociais e em conquistar a aprovação alheia. Ao começar o livro, achei a personagem insuportável e quase desisti da leitura. Mas algo na honestidade daquela mala me fez querer ficar.
Era tudo uma casca de uma pessoa que se sentia triste com o rumo que a vida tomava e, do meio para o fim do livro, a leitura se tornou mais gostosa. Jenny é ácida, completamente maluca, e privilegiada. Seus problemas são problemas que consideraríamos white people's problems, o que era justamente o que o meu cérebro queria. Pensar em uma mulher um pouco mais velha e tão ou mais doida que eu: que alívio! Apesar dessa impressão de que problemas londrinos sejam menores, ainda mais depois de ler Conceição Evaristo, as dores humanas são dores humanas. Jenny revela aos poucos os seus porquês, e eu passei a simpatizar com aquela voz que tanto me irritou no começo. Foi quase como conhecer alguém insuportável que, depois de uns meses e uns traumas compartilhados, torna-se um amigo.





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